Por vezes vives na raiz das minhas lágrimas. Vives. No estuário escuro onde me nascem rios salgados
que de tão aprisionados pelas margens sabem-se sem
esperança de alcançar os sete mares. Sobes-me ou desces-me as colinas e
danças-me inevitavelmente na retina. Inevitável e lento, trémulo e periclitante
na lágrima retida; trémula, ali, a lágrima por cair, ali de onde o mundo se
reflecte pardo e desfocado. Vês como eu, o mundo desfocado e pardo, num porvir
absurdo que nos falece antes que seja. Por vezes fazes pequenas ondas no lago
dos meus olhos e tremulas ao vento a bandeira da revolta: queres que eu seja
tempestade, que tudo apague, que tudo lave, que tudo; mas a lágrima, mareada e
sombria, grita e força a grade para rolar livremente pela face. Evito a queda,
porque não quero que roles com ela até ao chão e te sujes no sangue que escorre
dos meus pés. As caminhadas foram sempre longas e os caminhos pródigos em
gumes. Soubesse eu que as lágrimas corriam só em direcção à boca, soubesse eu
que as lágrimas em que me habitas corriam sempre em direcção à boca; soubesse
eu e soltava-as nessa liberdade de sal aquoso; deixava-te entrar de novo em
mim. E de novo, de novo, sempre de novo, deixava que voltasses a ser líquido,
quente e terno, recolhido, na raiz das minhas lágrimas.
Olívia Santos